O poder da conversa certa
Em seu novo livro, Charles Duhigg, conhecido pelo best-seller "O Poder do Hábito", explica como se expressar com mais clareza e envolvimento no trabalho.

Bebês de 10 semanas conseguem imitar as expressões de felicidade, tristeza e raiva de suas mães. Essa foi a conclusão de um estudo americano sobre contágio emocional primitivo. Segundo Charles Duhigg, em seu livro Supercomunicadores: Como desbloquear a linguagem secreta da comunicação, esse instinto evoluiu em nosso cérebro para que nos sintamos bem quando nos conectamos com outras pessoas e, assim, tenhamos maior probabilidade de construir alianças e amizades, família e sociedades. “As emoções influenciam nossos diálogos, mesmo quando não as percebemos”, escreve o americano.
Em sua nova obra, Charles defende uma tese que deve alegrar os mais tímidos: mesmo quem nunca foi bom em comunicação pode se tornar mestre na arte de convencer alguém por meio de uma boa conversa – o supercomunicador de que o título do livro trata. Uma habilidade imprescindível para quem mira o topo da cadeia alimentar nos negócios, ser mais eficiente em sua atividade ou mesmo melhorar seus relacionamentos.
E por que começamos este texto falando de emoção? O autor explica que cada conversa significativa tem por trás ações inconscientes. E que a grande maioria dos conflitos que vivenciamos não ocorre devido à falta de soluções ou à relutância pessoal em chegar a um acordo. Acontecem simplesmente porque os debatedores, influenciados por seus sentimentos, não entendem o motivo de estarem discordando.
Ao longo do livro, Charles Duhigg apresenta casos que vão da ciência à vida cotidiana, e explica como as pessoas podem se tornar comunicadores habilidosos em cada situação. Como no trecho que selecionamos, no qual ele fala dos desafios de um cirurgião em orientar seus pacientes para a melhor decisão sobre o que fazer diante de um câncer.
TRECHO DO LIVRO
Capítulo 3
COMO UM CIRURGIÃO APRENDEU A SE COMUNICAR
Em 2014, um cirurgião proeminente no centro oncológico Memorial Sloan Kettering, em Nova York – profissional admirado por sua simpatia, bondade e capacidade médica –, percebeu que por muitos anos estava conversando com os pacientes da maneira errada.
O dr. Behfar Ehdaie era especialista em tratamento de câncer de próstata. Todo ano, centenas de homens o procuravam após receber a dura notícia da presença de um tumor em seus exames. E, ano após ano, vários desses pacientes recusavam-se a escutar o que ele estava tentando lhes dizer sobre a doença.
O tratamento do câncer de próstata envolve uma barganha complicada: o curso de ação mais direto é a cirurgia ou a radioterapia para impedir a proliferação do tumor. Mas, como a glândula se localiza junto aos nervos envolvidos na urina e na função sexual, alguns pacientes, após o tratamento, sofrem de incontinência e impotência, às vezes pelo resto da vida.
Assim, para a maioria, os médicos não aconselham a cirurgia nem qualquer forma de tratamento. Em vez disso, pacientes de baixo risco são aconselhados a optar pela “vigilância ativa”: exame de sangue de seis em seis meses e biópsia da próstata de dois em dois anos para verificar se o câncer evoluiu. Mas, de resto, nada de cirurgia, radiação, nada. A vigilância ativa sem dúvida também tem seus riscos: pode ocorrer metástase. Mas o tumor de próstata em geral cresce muito lentamente – na verdade, os médicos costumam dizer que, após certa idade, o paciente tem muito mais chance de morrer de velhice do que de câncer de próstata.
O dr. Ehdaie seguia o que, a seu ver, parecia o caminho lógico: para a vasta maioria das pessoas, considerava que a vigilância ativa era a decisão correta. Em geral, começava mostrando os dados de que, para 97% dos homens que optavam pela vigilância ativa, o risco de proliferação do câncer era aproximadamente o mesmo em relação aos que se submetiam a tratamentos invasivos, e, portanto, a melhor estratégia seria aguardar e analisar.
Mas, inúmeras vezes, o paciente não escutava o que ele dizia. Enquanto o dr. Ehdaie falava sobre opções de tratamento, pela cabeça da pessoa passavam questões bem diferentes: Como minha família vai reagir a essa notícia? Estou disposto a me arriscar a morrer para continuar desfrutando da minha vida? Estou pronto para confrontar minha mortalidade?
Em vez de examinar os gráficos e os estudos e ficarem aliviados, os pacientes começavam a perguntar: E esses 3% dos pacientes que não se beneficiaram da vigilância ativa? Eles morreram? Foi uma morte dolorosa? “Passávamos a consulta toda falando sobre esses 3%”, disse o dr. Ehdaie. “E depois, numa nova consulta, afirmavam preferir a cirurgia.”
“Quando isso passou a acontecer repetidamente, me dei conta de que o problema não era com os pacientes”, afirmou o dr. Ehdaie. “O problema era comigo. Estava fazendo alguma coisa errada. Estava falhando nessas conversas.”
O dr. Ehdaie começou a pedir conselhos a amigos, até que um colega lhe recomendou procurar um professor da Escola de Negócios de Harvard chamado Deepak Malhotra.
Malhotra fazia parte de um grupo de professores que estudava como as negociações ocorrem no mundo real. Em 2016, um de seus colegas ajudou o presidente da Colômbia a negociar um acordo de paz para pôr fim a uma guerra civil de 52 anos que havia matado mais de 200 mil pessoas.
Quando recebeu a mensagem do dr. Ehdaie, Malhotra ficou intrigado. Sua pesquisa às vezes descreve negociações formais em que, digamos, líderes sindicais e patrões se digladiam em torno da mesa de reuniões. Mas a situação do dr. Ehdaie era diferente: o médico e seus pacientes estavam envolvidos numa negociação de alto risco – o problema era que, na maior parte do tempo, nenhuma das partes admitia estar em negociação com outra.
A falha em presumir
Malhotra viajou até o centro oncológico Sloan Kettering para obter mais informações e, enquanto acompanhava o dr. Ehdaie, identificou oportunidades para melhorar essas conversas. “Um passo importante em qualquer negociação é ter clareza sobre o que todos os participantes querem”, contou-me Malhotra. Muitas vezes, o que as pessoas desejam em uma negociação não fica imediatamente óbvio. Um líder sindical pode afirmar, por exemplo, que seu objetivo é o aumento salarial. Mas depois, com o tempo, outros objetivos transparecem: a pessoa também quer obter uma boa impressão perante os membros do sindicato, há uma luta pelo poder entre grupos sindicais. Pode levar tempo, e exigir as perguntas corretas, para definir o que as pessoas querem. Assim, uma tarefa importante em qualquer negociação é perguntar muito.
Mas, em suas interações com os pacientes, o dr. Ehdaie não estava fazendo as perguntas certas. Ele não os entrevistava para descobrir o que era mais importante para eles. Não pensava em questões como: será que ainda gostariam de prolongar suas vidas se o tratamento os impedisse de fazer coisas como viagens e sexo? A pessoa pode preferir cinco anos extras se isso implica sofrimento constante? Até que ponto a decisão de alguém era ditada antes por sua própria vontade do que pelos desejos da família? Estaria o paciente secretamente torcendo para seu médico lhe dizer o que fazer?
O maior erro de Ehdaie era presumir, no início das conversas, que sabia o que o paciente queria: um conselho médico objetivo, um sumário das alternativas para fazer uma escolha bem-informada.
“Não convém começarmos uma negociação presumindo que sabemos o que a outra parte deseja”, afirmou Malhotra. A primeira parte da conversa é descobrir sobre o que todos os demais querem falar. O método mais simples de identificar os desejos alheios, sem dúvida, é perguntar “O que você quer?”. Mas essa abordagem pode fracassar se a pessoa não sabe ou tem vergonha de dizer, ou não tem certeza sobre como expressar seus desejos, ou está preocupada de que revelar demais pode deixá-la numa posição desvantajosa.
Assim, Malhotra sugeriu que o dr. Ehdaie tentasse uma estratégia diferente. Em vez de começar a conversa apresentando ao paciente uma visão geral das opções, deveria fazer perguntas abertas para levá-lo a falar sobre seus valores e o que esperava da vida.
“O que esse diagnóstico de câncer significa para o senhor?”, o dr. Ehdaie perguntou a um paciente de 62 anos algumas semanas depois. “Bem”, respondeu o homem, “me faz pensar no meu pai, porque ele morreu quando eu era novo, e isso foi difícil para minha mãe. Odiaria fazer minha família passar pela mesma coisa”. O homem falou sobre seus filhos, e sobre como não queria deixá-los traumatizados.
Um padrão similar surgiu em outras conversas. Em vez de falar sobre a doença, começavam a refletir sobre como processar a ideia do câncer em suas vidas, debatendo o significado da doença. É assim que funciona uma negociação tranquila: um processo em que decidimos juntos que assuntos serão discutidos e como serão discutidos.
As perguntas do dr. Ehdaie revelaram que alguns pacientes estavam assustados e queriam conforto emocional. Outros tentavam se sentir no controle. Alguns – buscando uma prova social de que não estavam assumindo riscos incomuns – queriam saber como outras pessoas haviam tomado essa decisão. Outros ainda queriam o tratamento mais avançado disponível.
Isso explicava por que o médico havia fracassado tantas vezes em se comunicar com seus pacientes ao longo dos anos: não estava fazendo as perguntas certas. Não perguntou sobre suas necessidades e seus desejos, o que esperavam da conversa. Presumiu que já soubesse. E, como não se deu ao trabalho de descobrir o que era importante para eles, os inundou com informações que não os interessavam. Resolveu mudar a forma como se comunicava: abandonar o tom professoral e começar a fazer perguntas melhores, para ensejar um diálogo propriamente dito.
Seis meses após o dr. Ehdaie adotar essa abordagem mais inclusiva, a quantidade de pacientes que optava pela cirurgia caiu 30%.
SUPERCOMUNICADORES
Autor: Charles Duhigg
Editora: Objetiva
Páginas: 296
Preço: R$ 79,90
Esta matéria faz parte da edição 95 da Você RH que foi para as bancas no início de dezembro de 2024. Para ler mais conteúdos desta edição, clique aqui.