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Minha história: Débora Ferraz, mulher, negra… e líder numa grande empresa

Neste Dia da Consciência Negra, conheça a trajetória da executiva da Braskem, que antes de chegar ao cargo atual lidou com racismo e machismo na carreira.

Por Débora Ferraz*
Atualizado em 20 nov 2024, 15h23 - Publicado em 20 nov 2024, 15h20
Foto de uma mulher negra sorrindo.
 (Reprodução/Reprodução)
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Todos os anos, sinto que o Dia da Consciência Negra é uma oportunidade para analisar os avanços e os desafios que temos para alcançar a equidade racial e refletir sobre a minha trajetória profissional como mulher negra em posição de liderança. Percebo que cada etapa da minha história foi marcada pela combinação de superação, determinação e busca incessante por justiça social. Hoje, ocupo o cargo de gerente global de Diversidade, Equidade & Inclusão, de Ambiente e Bem-Estar e de Talent Acquisition na Braskem, mas minha vida foi marcada por um contexto de desigualdade e uma escalada íngreme até o reconhecimento.

Aos 18 anos, para conseguir atuar como estagiária técnica em processamento de dados, eu tinha que diariamente sair mais cedo da escola e atravessar a cidade, na luta de tentar conciliar os estudos e ter uma oportunidade de trabalho que pudesse mudar a minha vida. E, apesar de o meu início de carreira no mundo corporativo acabar sendo um marco na minha família, sempre foi muito desafiador equilibrar toda essa rotina e me provar competente em tudo o que fazia.

A solidão das líderes negras: só 5% no país

Anos se passaram e conquistei minha primeira posição de liderança como gerente de uma equipe multidisciplinar. Foi uma grande realização, mas comecei a perceber com mais clareza a complexidade de ser uma mulher negra na liderança. A solidão de ser a única mulher negra, a pressão que eu mesma gerava para me afirmar no cargo, o medo de ser vista como menos capaz, a necessidade de ter que lidar e liderar um universo massivamente masculino, além do racismo, machismo e etarismo – pois fui líder ainda muito jovem – presentes dentro da própria organização eram pontos diários a serem enfrentados. E sempre busquei trabalhar mais do que a função exigia, pois precisava entregar resultados e comprovar minha capacidade como mulher negra, algo que gerava um desgaste físico e emocional.

Muitos foram os desafios e acabei percebendo a importância de me reconhecer como mulher negra e me apoiar na minha identidade. Comecei a ser mais vocal, a usar meu cabelo natural e a vestir meus turbantes. Passei também a buscar formas de inspirar os demais a verem na diversidade uma fonte de força para a companhia. Lutei para que a minha equipe fosse mais diversa e inclusiva, ao mesmo tempo que procurei ser um exemplo para as mulheres e pessoas negras que, como eu, não tinham referências no topo da hierarquia corporativa.

E, nessa jornada de liderança, aprendi a fazer perguntas e provocações que buscassem gerar novas perspectivas e comportamentos em mim e na equipe. Além disso, durante a minha ascensão profissional, pude mostrar a força de uma liderança diversa, de modo a criar um ambiente mais humano que aumentasse o senso de pertencimento em todos os integrantes.

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Entendo que o ambiente corporativo é competitivo e, na longa caminhada por uma promoção ou por um projeto dos sonhos, muitas vezes não olhamos para o lado. Mas é o nosso papel, enquanto líder, inspirar e desenvolver pessoas, fazer que esse caminho não seja tão difícil o tempo todo, principalmente para pessoas de grupos minorizados, como mulheres, pessoas negras, com deficiência, LGBTQIA+ e aquelas com mais de 50 anos. Eu busco ser a referência que não tive e empoderar as pessoas não só com meu trabalho em diversidade, mas por meio de pontos que reafirmem a minha origem.

Entendo que tive sorte de trabalhar em empresas que me deram espaço para crescer e contribuir com a minha trajetória de vida. De acordo com o IBGE e o Instituto Ethos, mulheres negras representam apenas 5% dos cargos de liderança no Brasil, apesar de serem quase 30% da população. Essa estatística revela uma realidade dura e desafiadora: a presença de afrodescendentes nos altos cargos de decisão ainda é exceção. Outra pesquisa, agora da McKinsey, sobre diversidade nas empresas brasileiras, apontou que, enquanto a diversidade racial nas empresas permanecer avançando muito lentamente, as mulheres negras continuarão a ser as mais sub-representadas em posições de poder. É uma situação totalmente desafiadora.

Esses números são evidências de que, embora tenhamos avançado em termos de representatividade em cargos de base, ainda há um longo caminho a ser percorrido. O racismo estrutural e a desigualdade de gênero continuam a ser barreiras invisíveis, que afastam as mulheres negras das posições de liderança, mesmo quando elas estão altamente qualificadas. As oportunidades, quando existem, são escassas e, muitas vezes, limitadas por decisões enviesadas, pela falta de redes de apoio, mentorias e pelo reconhecimento do valor da diversidade no ambiente corporativo.

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Dos desafios ao papel de referência para outras

Na minha atual função, por exemplo, busco sempre incentivar as individualidades dos integrantes e contribuir para criar ações afirmativas de contratação e de desenvolvimento com o objetivo de diminuir desigualdades e corrigir as distorções no mercado de trabalho. Nos processos seletivos, questionamos as lideranças sobre diversidade da equipe e intencionalmente buscamos apresentar candidatos finalistas diversos.

Além disso, temos na Braskem redes de afinidade de raça, gênero, orientação sexual e pessoas com deficiência para que possamos enxergar como os integrantes se sentem e como podemos melhorar cada vez mais o ambiente de trabalho. E, nesse ano, iniciamos o programa de mentoria reversa, no qual integrantes minorizados estão dando mentoria para a alta liderança (diretorias e vice-presidências) e compartilhando histórias de vida, desafios e os avanços e oportunidades que eles identificam na Braskem. Os resultados desse programa têm sido incríveis; mais uma vez vejo que nossas histórias são poderosas.

Além disso, implementamos o programa Respeito é Inegociável, que busca construir um ambiente organizacional seguro, saudável, diverso, inclusivo e respeitoso para todos; ou seja, livre de assédio, discriminação e microagressão. Um lugar onde cada pessoa se sinta livre para ser ela mesma. Esse programa foi resultado da união estratégica entre as áreas de Compliance e Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) da companhia, trazendo a expertise dos profissionais dessas áreas para desenvolver algo único e multidisciplinar.

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Precisamos ser agentes de transformação, questionar o status quo, abrir diálogos em que novas vozes possam participar e buscar talentos que, até então, eram invisíveis para as organizações. Somente assim será possível corrigir estruturas que ainda não representem a nossa sociedade. E, embora muitas barreiras ainda permaneçam, tenho visto um horizonte mais promissor. Acredito que possamos ir além, mas é fundamental irmos juntos. Por um futuro corporativo mais feminino, mais diverso e mais negro.

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*Débora Ferraz é gerente global de Diversidade, Equidade e Inclusão e de Ambiente e Bem-Estar na Braskem. É também professora da Fundação Dom Cabral sobre os temas de diversidade e inclusão.

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