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O que as lideranças já aprenderam com o home office até agora?

Mais da metade das empresas não possuía práticas de trabalho à distância antes da crise da covid-19. Veja quais são os erros e os acertos dessa experiência

Por Marina Kuzuyabu
Atualizado em 23 out 2024, 10h22 - Publicado em 8 set 2020, 08h49
Adriana Gomes, coordenadora nacional de carreira e mercado da ESPM: em quatro dias, a instituição se organizou para dar aulas online  (FILIPE REDONDO/VOCÊ RH/VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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Esta reportagem foi publicada na edição 68 de VOCÊ RH.

Em meados de março, a direção da Escola Superior de Propaganda e Marketing (­ESPM) decidiu fechar suas oito unidades e manter seus 12.600 alunos de graduação e pós-graduação e seu corpo docente de 800 professores em casa. Era o início da contaminação pelo coronavírus no país, e a instituição seguia as orientações de autoridades de saúde do mundo todo, que recomendavam o isolamento como a melhor forma de prevenção.

Para evitar que as aulas fossem suspensas por muito tempo, a meta da ESPM era dar continuidade às atividades acadêmicas de forma remota dentro de quatro dias. “Trabalhamos inclusive no fim de semana para que todos tivessem condições de realizar as tarefas a distância, dos professores aos profissionais da área administrativa. Realizamos até treinamentos, mesmo nesse curto espaço de tempo”, diz Adriana Gomes, coordenadora nacional de carreira e mercado da ESPM e responsável pela gestão de pessoas do corpo docente.

E não foi apenas a ESPM que teve de implantar o home office da noite para o dia. De acordo com uma pesquisa da ISE Business School, 51% das empresas não possuíam práticas de teletrabalho antes da pandemia. Se excluirmos as multinacionais e considerarmos apenas as companhias nacionais e familiares, o número é ainda maior: 65%. O levantamento, que entrevistou 518 executivos brasileiros entre abril e maio, apontou que, atualmente, o índice de empresas que estão operando com trabalhadores em casa aumentou para 62%.

Passados meses do início da quarentena, o trabalho remoto ainda não se tornou perfeito, é claro. Mas já é possível extrair algumas lições do que dá certo (ou não) no home office. Uma delas é que o esforço não termina nos primeiros dias. Na ESPM, por exemplo, a força-tarefa montada pela instituição para auxiliar os docentes espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis se mantém até hoje.

Isso porque, embora os professores já viessem realizando treinamentos sobre home office desde 2019, novas questões surgiram após a migração de 100% do trabalho para a internet. “Há demandas relacionadas ao suporte técnico e particularidades do ensino remoto”, diz Adriana. A dinâmica das equipes também mudou. As reuniões entre docentes e coordenadores pedagógicos, que eram realizadas de forma pontual anteriormente, se tornaram semanais. “Criou-se um sentimento de colaboração para encontrar o ideal de ensino e aprendizado fora da sala de aula”, diz a executiva.

Além de aproximar os times, a crise serviu para revelar para as lideranças uma habilidade que elas não conheciam: a capacidade de promover transformações gigantescas em um curtíssimo espaço de tempo. “Tivemos momentos de apreensão, mas vimos que na hora da necessidade todo mundo rema para uma mesma direção”, afirma Adriana.

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Questão de hábito

O fator cultural é um dos desafios que mais pesam na adoção do home office. Mas nem sempre ele é considerado o maior impeditivo pelas empresas. Segundo uma pesquisa publicada em março pela consultoria Talenses, realizada em parceria com a Fundação Dom Cabral e que ouviu 375 profissionais de gestão de pessoas, disponibilizar notebooks e redes de acesso era considerada a maior dificuldade pelos RHs para implementar a prática. As barreiras culturais apareciam apenas em segundo lugar.

“Porém, são elas que merecem nossa atenção. O brasileiro gosta do convívio diário com os colegas de trabalho e está muito habituado a reuniões e a um contato mais próximo com as lideranças”, diz Rodrigo Vianna, CEO da Mappit, um dos braço de recrutamento do Talenses Group.

Por isso, muitos gestores continuam realizando longas reu­niões e alguns até aumentaram a frequên­cia dos encontros para suprir a falta das conversas olho no olho. Se por um lado o contato intenso favorece o vínculo, por outro pode prejudicar a produtividade. Ser mais objetivo durante as videoconferências foi um dos primeiros aprendizados da multinacional Basf. “Começamos a nos policiar para diminuir as horas gastas em reuniões. Tempo é escasso e estamos com outras prioridades neste momento”, afirma Bruno Ferrante, gerente de desenvolvimento de talentos para a América do Sul da Basf.

E isso porque o home office já era uma prática estruturada na multinacional. Antes da pandemia, os funcionários da área comercial, que representam 10% do quadro de 4.155 empregados da empresa no Brasil, já atuavam de forma totalmente remota. Para o restante do time, havia uma política de flexibilidade, implantada em 2015, que permitia o home office de uma a duas vezes por semana.

Com a pandemia, 2.100 empregados das áreas financeira, administrativa, de comunicação, gestão de pessoas e tecnologia da informação passaram a trabalhar de casa em tempo integral. O restante do quadro é composto de trabalhadores operacionais, que continuam nas fábricas, com protocolos de prevenção ao coronavírus.

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Nem ao céu, nem à terra

O excesso de reuniões pode ser um efeito da microgestão, mal que muitas empresas ainda enfrentam. “Às vezes, por insegurança ou ansiedade, líderes caem na armadilha de querer controlar cada passo de seus subordinados, sufocando-os com perguntas a todo momento”, diz Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria Robert Half. E, se sufocar prejudica, abandonar também é ruim. “Os gestores devem se policiar para não perder o vínculo com as pessoas”, diz Fernando.

Dada a complexidade da crise que estamos vivendo, o relacionamento pode — e deve — avançar em questões pessoais. Nessa hora, tire a empatia do discurso e a pratique por meio de conversas francas e perguntas diretas sobre as condições de trabalho que as pessoas estão enfrentando. Famílias com crianças ou mães solos, por exemplo, possuem desafios adicionais. “Obviamente a produtividade desses profissionais será afetada. Talvez seja o caso de pensar em estratégias como férias ou flexibilidade de horários”, afirma Fernando.

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Bruno Ferrante, gerente de talentos da Basf: treinamento para as lideranças e mais objetividade nas reuniões (Alexandre Battibugli/VOCÊ RH/VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Levar em consideração o contexto de cada funcionário foi uma preocupação da Basf. “Temos consciência de que as pessoas estão se dedicando mais a tarefas domésticas e familiares agora. Os pais precisam dar atenção às crianças e, em alguns casos, até dividir o computador”, diz Bruno. Por isso, a companhia realizou uma série de conferências com as lideranças para sensibilizar os executivos. “Em resumo, a orientação foi a seguinte: ‘Ouça o empregado e acolha suas demandas. Seja um horário de almoço estendido, seja a necessidade de cuidados com algum familiar doente’”, afirma Bruno.

A crise do coronavírus acelerou diversas mudanças que já eram previstas no mundo corporativo, e se adaptar a essa nova realidade é importante, porque muita coisa veio para ficar. “Há anos falamos sobre a necessidade dos líderes de realizar a gestão das emoções e das expectativas dos profissionais e de atuar como facilitadores”, diz Esteban Morin, diretor de desenvolvimento e negócios Latam no Grupo Cia de Talentos. Se antes era preferível ser assim, agora é indispensável adotar essa postura.

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O cenário atual de incertezas e preocupações gera medo e ansiedade nas pessoas. Por isso, ter a oportunidade de falar sobre esses sentimentos é necessário para evitar o desgaste emocional. Cabe aos líderes, portanto, abrir essa porta. “Essa postura não tem a ver com resolver os problemas. É mais uma atitude de cuidado, de fortalecimento de vínculos”, afirma Esteban.

De olho no psicológico

O acompanhamento da saúde mental dos funcionários, algo urgente antes mesmo da pandemia, também tem de ser prioridade. Isso porque, segundo a Organização Mundial da Saúde, o isolamento social pode agravar problemas como depressão e ansiedade.

Cientes desse contexto, a Ocyan, empresa do setor de óleo e gás com sede no Rio de Janeiro, disponibilizou psicoterapia online para os funcionários. “É um serviço totalmente sigiloso e independente da área de gestão de pessoas”, diz Nir Lander, diretor de pessoas e gestão da Ocyan.

A empresa é outra novata no home office. A ideia era implantar uma política de teletrabalho daqui a dois anos — porém a pandemia acelerou os planos. “Não éramos contra o modelo remoto, ele apenas não estava em nossas prioridades”, afirma Nir Lander.

Do total do quadro de 2.000 pessoas, aproximadamente um terço está trabalhando de casa. Como a produção de petróleo e gás foi classificada como serviço essencial para a economia, os demais funcionários, que atuam em navios em alto-mar, continuam as atividades com ações de prevenção.

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Segundo uma pesquisa interna realizada pela Ocyan, o trabalho remoto já caiu no gosto dos profissionais. De acordo com o questionário, 89% das pessoas que estão em home office desejam continuar com a opção após a pandemia. O pedido ainda está em estudo, mas deve ser atendido, adianta Nir Lander. “Provavelmente, adotaremos o rodízio. Não queremos que o home office seja obrigatório. As pessoas continuarão tendo a opção de vir para o escritório, que terá um layout novo para garantir o distanciamento social”, diz.

Em outra frente, a Basf tem lançado mão de ações de descompressão para auxiliar no bem-estar. Por meio de uma plataforma online, a empresa passou a publicar vídeos com sessões de ioga, meditação e alongamento. No mesmo canal, também são compartilhados conteúdos sobre assuntos relevantes no contexto atual, como dicas para trabalhar melhor em casa e conselhos sobre autodesenvolvimento. “As temáticas vão mudando conforme as necessidades de cada momento e a evolução da pandemia. Tentamos falar um pouco de tudo. As conversas são lideradas por nós, mas também trazemos especialistas”, diz Bruno.

Mais proximidade

A multinacional alemã também estimula happy hours, cafés e almoços entre as equipes — tudo de forma virtual, é claro. De acordo com Esteban, da Cia de Talentos, as ações são importantes, mas precisam de protagonismo dos funcionários. “Os gestores não podem ser os líderes desses encontros. Uma dica é deixar um dos empregados conduzir os bate-papos e sair do evento antes do término, para que as pessoas possam desabafar, inclusive sobre você.”

A descoberta de novas formas de comunicação já deixou marcas na Basf. “Percebemos que não precisamos estar na porta do cliente para ajudá-lo, entender suas demandas e prover soluções. Quanto aos funcionários, queremos manter a abertura para essas conversas mais pessoais e, de certa forma, mais humanas”, diz Bruno.

Alguns especialistas acreditam que lideranças e empresas humanizadas e preocupadas com o bem-estar social e de seus funcionários serão um dos legados da crise terrível pela qual estamos passando. Não é possível afirmar com certeza que isso vai ocorrer, mas diversos estudos já apontaram que colocar as pessoas no centro das organizações tem impactos positivos — nos funcionários e nos negócios.

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