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Por que nos prendemos a visões antigas em vez de abraçar novas ideias

Em seu livro mais recente, um dos psicólogos de maior influência no mundo corporativo conta por que é preciso aprender a desaprender

Por Redação
Atualizado em 27 jan 2023, 10h40 - Publicado em 4 fev 2022, 12h30
Mulher tendo uma ideia
 (Foto/Thinkstock)
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or comodidade ou medo do novo, nos apegamos a visões que construímos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Porque mudar dá trabalho, e nem sempre dá certo. E então nos agarramos a certezas que nos limitam e que, muitas vezes, só existem na nossa cabeça. Afinal, o mundo continua girando, e o que era correto antes pode não ser mais agora. Repensar crenças e atitudes e ir atrás do que ainda não se sabe são as propostas do psicólogo organizacional Adam Grant em seu mais recente livro, Pense de Novo. Grant é considerado um dos mais influentes estudiosos da área de recursos humanos e atua como consultor e palestrante em várias empresas e instituições nos Estados Unidos, como Google, Pixar e Fundação Gates. Nos trechos a seguir, ele mostra de onde vem nossa resistência a mudanças e como, nas palavras dele, ser bom em pensar pode nos tornar ruins em repensar.

Trecho do livro

Quando pensamos sobre o que significa ter preparo mental, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a inteligência. Quanto mais inteligente é a pessoa, mais complexos são os problemas que ela consegue resolver — e com mais rapidez. Tradicionalmente, a inteligência é vista como a capacidade de pensar e aprender. Porém, em um mundo turbulento, há outro conjunto de habilidades cognitivas que pode ser mais importante: a capacidade de repensar e desaprender. Imagine que você acabou de terminar uma prova de múltipla escolha e começa a questionar uma das suas respostas. No tempo que lhe resta, será melhor acreditar no seu primeiro instinto ou mudar a opção marcada? Cerca de três quartos dos estudantes acreditam que rever as respostas da prova piora a nota. A Kaplan, maior empresa de simulados do mundo, certa vez alertou os alunos a “ter cautela ao decidir mudar uma resposta. Nossa experiência mostra que muitos acabam trocando sua primeira escolha pela opção errada”. Com todo o respeito às lições da experiência, prefiro o rigor das evidências.

Em uma revisão abrangente de 33 estudos, um trio de psicólogos descobriu que, em todos eles, a maioria das mudanças consistia em trocar a resposta errada pela certa. Esse fenômeno é conhecido como a falácia do primeiro instinto. Em uma demonstração, os psicólogos contaram as marcas de borracha nas provas de mais de 1.500 alunos no estado americano de Illinois. Apenas um quarto das mudanças foi da resposta certa para uma errada, enquanto metade foi de uma errada para a certa. Eu mesmo vejo isso acontecer em sala de aula todos os anos: as provas finais dos meus alunos têm uma quantidade supreendentemente baixa de marcas de borracha, porém aqueles que repensam suas respostas iniciais, em vez de se manterem apegados a elas, tiram notas melhores. É possível, claro, que respostas repensadas não sejam inerentemente melhores. Talvez os estudantes relutem tanto em mudar suas escolhas que só o fazem quando têm muita certeza. No entanto, estudos recentes apresentam uma outra explicação: o que faz diferença não é meramente mudar a resposta, mas refletir se ela deve ser mudada. A questão não é que temos medo de repensar respostas. Temos medo da própria ideia de repensar. (…)

Parte do problema é a preguiça cognitiva. Alguns psicólogos alegam que somos “sovinas mentais”: preferimos a facilidade de nos agarrarmos em visões antigas à dificuldade de compreender ideias novas. Mas existem também forças mais profundas por trás dessa resistência. Quando questionamos a nós mesmos, o mundo se torna mais imprevisível. Somos forçados a admitir que os fatos podem ter mudado, que algo que antes era correto pode ser errado agora. Repensar algo em que acreditamos piamente é uma ameaça à nossa identidade, nos dá a sensação de que estamos perdendo parte de nós. Não é em todos os aspectos da vida que resistimos a repensar. Quando se trata de posses, adoramos nos atualizar. Modernizamos nossas roupas quando saem de moda, reformamos nossa cozinha quando parece antiquada. No que se refere a conhecimento e opiniões, porém, não arredamos o pé. Psicólogos chamam esse fenômeno de apreender e congelar. Preferimos o conforto da certeza ao desconforto da dúvida e solidificamos nossas crenças. Rimos de pessoas que ainda usam o Windows 95, mas continuamos apegados a julgamentos que formamos em 1995. Escutamos opiniões que nos satisfazem, mas não ideias que nos levem a reflexões intensas. Dizem por aí que, se você jogar um sapo em uma panela de água fervente, ele vai pular para fora na mesma hora, mas, se jogá-lo em água morna e aumentar a temperatura aos poucos, o sapo morrerá. Ele não sente a mudança de temperatura e só percebe quando é tarde demais. Fiz uma pesquisa sobre essa história popular e descobri um problema: isso não é verdade. Ao ser jogado em uma panela de água fervente, o sapo vai sofrer queimaduras graves e talvez não consiga escapar. Na verdade, a água morna é melhor: ele pula para fora assim que a temperatura começa a ficar desconfortável. Não são os sapos que têm dificuldade em reavaliar situações. Somos nós. Uma vez que aceitamos algo como verdadeiro, raramente nos damos ao trabalho de questionar essa verdade. (…)

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Formas de pensar se tornam hábitos que nos atrasam, e só nos damos o trabalho de questioná-las quando é tarde demais. Esperamos que o freio do carro continue funcionando com um barulho estranho, até que ele finalmente falha bem na estrada. Acreditamos que a bolsa de valores vai continuar subindo mesmo quando especialistas alertam sobre uma bolha imobiliária. Presumimos que nosso casamento vai bem, apesar da distância emocional cada vez maior do parceiro. Nós nos sentimos seguros no emprego mesmo depois de alguns colegas terem sido demitidos. (…)

Sou psicólogo, mas não gosto muito de Freud, não tenho um divã no meu consultório e não trabalho com terapia. Em meu trabalho na Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, passei os últimos 15 anos pesquisando e ensinando a prática da chamada gestão baseada em evidências. Como empreendedor de dados e ideias, fui contratado por organizações como Google, Pixar, NBA e Fundação Gates para ajudá-las a reexaminar seu modo de desenvolver empregos significativos, construir equipes criativas e moldar culturas colaborativas. Meu trabalho é repensar nossa maneira de trabalhar, liderar e viver — e permitir que outras pessoas façam o mesmo.

Não me lembro de outro momento da história em que repensar tenha sido tão essencial. Conforme se desenrolava a pandemia do novo coronavírus, muitos líderes mundiais não conseguiram repensar suas ideias com rapidez. Primeiro acharam que o vírus não afetaria seu país; depois, que seria apenas como uma gripe; e, mais tarde, que só pessoas com sintomas visíveis o transmitiam. Ainda estamos pagando o preço em vidas humanas. No ano de 2020, todos nós colocamos nossa flexibilidade mental à prova. Fomos forçados a questionar suposições que sempre demos como certas: que é seguro ir ao hospital, comer em um restaurante e abraçar nossos pais ou avós; que sempre haverá eventos esportivos sendo exibidos na TV; que a maioria das pessoas nunca vai trabalhar remotamente ou educar os filhos em casa; que podemos comprar papel higiênico e álcool em gel a qualquer momento que precisarmos. (…)

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Se formos capazes de dominar a arte do repensamento, acredito que teremos mais chances de alcançar o sucesso no trabalho e a felicidade na vida pessoal. Rever nossos pensamentos pode ajudar a encontrar novas soluções para problemas antigos e a redescobrir soluções antigas para problemas novos. É um caminho para aprender mais com as pessoas ao nosso redor e viver com menos arrependimentos. Uma marca da sabedoria é identificar a hora de abandonar algumas das ferramentas que nos são mais preciosas — e algumas das partes que mais valorizamos em nossa identidade. (…)

Quanto maior a inteligência, maior a queda

Potência mental não garante sagacidade. Por mais capaz que seja seu cérebro, se você não estiver disposto a mudar de ideia, vai perder muitas oportunidades de repensar. Pesquisas revelam que, quanto maior o QI de uma pessoa, maiores os riscos de ela se deixar levar por estereótipos, dada sua facilidade para reconhecer padrões. E experimentos recentes sugerem que, quanto mais inteligente você for, mais dificuldade pode ter em atualizar suas crenças. (…) A psicologia aponta pelo menos dois vieses que levam a esse comportamento. Um é o viés de confirmação: a pessoa vê o que espera ver. O outro é o viés de desejabilidade: a pessoa vê o que quer ver. Essas duas tendências não apenas nos impedem de usar a inteligência; elas são capazes até de transformá-la em uma arma contra a verdade. Assim encontramos motivos para pregar nossa fé com mais convicção, para defender nosso caso com mais entusiasmo e surfar na onda da nossa ideologia política. O triste é que normalmente não nos damos conta das falhas que isso acaba gerando em nosso raciocínio. Meu viés favorito é o “Eu não sou tendencioso”, afirmação de quem acredita ser mais objetivo que os outros. O curioso é que pessoas inteligentes são mais propensas a cair nesse tipo de armadilha. Quanto mais capaz você é, mais difícil é enxergar as próprias limitações. Ser bom em pensar pode nos tornar ruins em repensar.

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Este trecho faz parte de uma reportagem da edição 78 (fevereiro/março) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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