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Languishing: o estado mental de quem apenas existe

Cresce o número de pessoas que, apesar de manterem a produtividade estável, se sentem anestesiadas por dentro

Por Fernanda Colavitti
Atualizado em 18 abr 2022, 11h48 - Publicado em 4 fev 2022, 07h00
Uma mulher está sentada com a cabeça apoiada em uma janela, aparentemente pensativa
 (Pexels/ Liza Summer/Divulgação)
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esmo quem nunca ouviu essa palavra provavelmente já experimentou, em algum momento, a sensação de estar “apenas existindo”, cumprindo tarefas. É como ter a vida em suspenso, sem perspectivas. O termo em inglês, que vem sendo traduzido no Brasil como “abatimento” ou “definhamento”, significa estar em uma espécie de limbo emocional, segundo a psicóloga Ana Carolina Peuker, CEO da Bee Touch, startup de saúde mental.

A especialista explica que, quando a pandemia começou, o estado de alerta permanente ativou nas pessoas uma região cerebral chamada amígdala, responsável pela detecção do medo. À medida que o estresse se tornou contínuo, a sensação foi substituída por um vazio constante, um… languishing.

A palavra foi criada em 2002 pelo sociólogo norte-americano Corey Keyes para se referir às pessoas que não estavam deprimidas, mas também não “floresciam” (ou “flourishing”, como é definido esse estado). Dez anos depois, a expressão nunca esteve tão atual. Em um estudo sobre saúde mental realizado em abril de 2021 pela empresa de pesquisa de mercado Ipsos com 1.014 norte-americanos acima de 18 anos, 21% dos entrevistados disseram estar vivenciando o languishing.

No mesmo mês, o The New York Times popularizou o termo, com o psicólogo organizacional Adam Grant afirmando que o languishing pode ter sido a emoção dominante em 2021. A neurocientista Thais Gameiro, especialista em neurociência organizacional, concorda. “Esse sentimento está acometendo muitas pessoas ao mesmo tempo”, afirma.

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Faz sentido, já que, de acordo com o psicanalista Christian Dunker, professor titular em psicanálise e psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP, indivíduos que vivem muito sozinhos, mantêm pouco contato corporal com outras pessoas e seguem rotinas muito rígidas são os principais candidatos ao “definhamento”.

Apesar de não ser uma patologia descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o languishing tem potencial para trazer consequências à saúde. “Pode desencadear ou acelerar o desenvolvimento de doenças do espectro psicossomático, como psoríase, úlcera, alopecia e doenças autoimunes”, diz Christian.

Os estudos do sociólogo Corey Keyes sobre o tema apontam ainda que as pessoas com maior probabilidade de desenvolver depressão grave e transtornos de ansiedade na próxima década são aquelas que estão “definhando” agora. E pesquisas realizadas por profissionais de saúde na Itália mostram que indivíduos que estavam sofrendo de languishing em 2020 tinham três vezes mais probabilidade de ser diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático no futuro.

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Linha tênue

O languishing pode ser confundido erroneamente com o tédio e com o boreout. O primeiro, conhecido de todo mundo que já teve que fazer algum trabalho chato, é um tipo de angústia, um sentimento que nos chama a tomar uma atitude, explica Christian. “Quem tem languishing não está entediado, está anestesiado. A pessoa não se importa nem percebe que vive um estado desprazeroso”, compara.

Quando o tédio se torna um problema generalizado, pode se transformar em boreout, que leva à procrastinação e à falta de produtividade e que, assim como o languishing, se intensificou durante a pandemia. No entanto, no “definhamento”, o mais comum é acontecer o oposto, como mostrou uma pesquisa realizada pela consultoria Gartner em 2020. Dos 3.609 profissionais entrevistados, 86% disseram que sua produtividade se manteve ou até aumentou durante o período de pandemia.

De acordo com Christian, isso pode ser observado principalmente em profissionais que desempenham suas funções de forma mais solitária — e esse é um dos motivos pelos quais o problema aumentou na crise sanitária. “A pessoa irá manter um ritmo estável de produção, pois não distribui sua atenção, não tem outros interesses. Mas estará trabalhando no ‘piloto automático’, o que não é positivo nem para o profissional nem para a empresa”, afirma o especialista.

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Já em áreas que implicam relações humanas, os prejuízos trazidos pelo estado mental de anestesia ficam mais evidentes, pois o profissional perde a capacidade de trabalhar em grupo. “Ele vira um peso morto na equipe. Não consegue pensar direito, ter novas ideias, tomar decisões”, diz Christian.

Se um funcionário operando dessa forma já desperta cuidados, imagine haver diversos profissionais na mesma situação? Um estudo realizado antes da pandemia pelo site especializado em carreira Better Up mostrou que, durante um período de 11 meses, 55% dos trabalhadores de empresas dos Estados Unidos vivenciaram o languishing em algum momento.

Apoio da empresa

Para evitar ou combater esse problema, os especialistas defendem que as ações de saúde mental sejam incluídas no plano orçamentário e no planejamento estratégico das empresas. Isso pode ser feito com a definição de metas orientadas para o bem-estar psicológico e programas de educação sobre o tema, além da implementação de monitoramento para rastrear os riscos psicológicos nas equipes e agir preventivamente. “A saúde mental ainda é tratada de forma circunscrita, restrita a alguns temas ou meses do ano”, afirma a psicóloga Ana Carolina, CEO da Bee Touch. “É preciso aumentar a conscientização dos trabalhadores por meio de uma abordagem mais ampla, não apenas sobre os transtornos mas também sobre outras condições que podem sinalizar risco de adoecimento.”

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Da mesma forma que o languishing não surgiu por causa da pandemia — só ficou mais evidente —, ele não vai desaparecer junto com ela. Mas muitas pessoas vão voltar a “florescer” naturalmente com o retorno às atividades presenciais e a retomada gradativa da vida social e das práticas regulares. Para as demais, apoio e interesse genuíno das empresas pelos desafios emocionais que os funcionários enfrentam, sem estigmas, serão atitudes fundamentais.

Esta reportagem faz parte da edição 78 (fevereiro/março) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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