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A solidão dos líderes

Não raro, gestores tomam decisões difíceis, dão notícias ruins e escondem suas dúvidas. Conheça os principais danos do isolamento – e saiba como evitá-lo.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 4 out 2024, 15h31 - Publicado em 4 out 2024, 12h24
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  • Num (não tão) belo dia, Stênio Nordau Alvarenga subiu num caixote em um armazém e se dirigiu a 120 funcionários de uma empresa onde ocupava posição de liderança. Disse respeitosamente, mas de forma bastante clara, que, por uma decisão estratégica da organização, todos aqueles trabalhadores estavam demitidos. A notícia era terrível para eles, claro, mas o executivo também sentiu o baque. “Imagina a energia que voltou na minha direção”, diz o atual CEO do Grupo ONmnia, especializado em produtos para diagnóstico in vitro, e com passagem como líder em empresas como Tim e Ambev.

    “Eu não podia ir demitindo aos pouquinhos, isso aumentaria a angústia dos próximos a serem desligados. Sei que foi um dos momentos mais críticos da minha carreira. Voltei para casa me perguntando se valia a pena ser líder tendo de passar por situações como essa, quando uma comunicação, que só eu podia fazer, afetou a vida de talvez mil pessoas, se você somar os profissionais e suas famílias, os pais e avós que dependem deles… As pessoas acham que o líder toma uma decisão como essa e continua a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Mas é um golpe duro no psicológico de cada um. Eu só conseguia repetir para mim mesmo: ‘Vale a pena?’.”

    Afetado por circunstâncias como essa, Stênio embrenhou-se na área acadêmica e passou a realizar estudos sobre a saúde mental dos líderes. Passou inclusive a dar aula na FGV sobre, justamente, o tema desta reportagem: a solidão na liderança. E, nesse mergulho, ele descobriu quão poucas são as pesquisas voltadas para o bem-estar psicológico da alta gestão. 

    “Numa revisão bibliográfica em todas as fontes mais importantes da academia mundial, na hora em que fomos filtrando o tema da saúde mental no trabalho, afunilando cada vez mais, só encontramos 47 trabalhos relacionados ao C-Level”, afirma o executivo. “Como assim, só 47 no mundo inteiro? As empresas não estão preocupadas com isso?”

    Um desses raros estudos é lá de 2012, da Harvard Business Review, e já apontava que metade dos CEOs entrevistados relatou experimentar sentimentos de solidão no seu cargo. E que, entre esses, 61% disseram que esse isolamento atrapalhava sua performance.

    Pior ainda é a situação dos gestores de primeira viagem. Entre esses novos líderes, 70% se diziam sozinhos e desamparados no começo de sua jornada na liderança. E que, também para eles, essa situação era um obstáculo para ter o desempenho dos sonhos. 

    Mas por que esses líderes se sentem tão isolados? Motivos não faltam, e você já vai ver por quê.

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    Foto de um homem de óculos, sorrindo, vestindo terno cinza.
    Stênio Nordau Alvarenga, CEO do Grupo ONmnia e estudioso da solidão na liderança: “Numa revisão bibliográfica em todas as fontes mais importantes da academia mundial, só encontramos 47 trabalhos relacionados à saúde mental do C-Level”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

    A poltrona de CEO, por exemplo, está longe de ser confortável – por mais moderna e estilosa que ela seja. Porque junto dela vem uma incômoda (e equivocada) aura de infalibilidade – transmitida para cima e para baixo. 

    Vamos começar pelo que está no teto desse profissional. O presidente da empresa deve satisfações ao Conselho de Administração. Seu trabalho é supervisionado e avaliado por esse grupo de seniores, porque os conselheiros precisam garantir que a gestão estratégica da organização tenha alguém à frente, preparadíssimo para colocá-la em prática. Então não é para esses deuses do Olimpo que o CEO vai dizer que tem uma série de dúvidas sobre que decisão tomar, que se sente inseguro muitas vezes com as responsabilidades do cargo, que sofre com as pressões de todos os lados, que pode estar passando por um período de depressão, influenciando a sua capacidade de tomar boas decisões – e até a vontade de sair da cama para ir à empresa todo dia.   

    “No diálogo com o Conselho, o CEO ou um líder comercial precisam inventar uma narrativa, sempre. Porque ali não há espaço para uma verdade absoluta”, diz Felipe Urbano, palestrante e mentor de líderes de grandes empresas. “O gestor nessa interação não pode revelar aquilo que está doendo. Isso enquanto, internamente, ele precisa lidar com algo que a gente acessa muito pouco na liderança, que é saber reconhecer um fracasso. Com menos eco entre seus pares, o líder vai se enclausurando, até nas relações familiares e com amigos. Aí não é incomum a pessoa precisar de um suporte terapêutico.”

    Já do lado de baixo, os colaboradores, muitas vezes, veem qualquer um da alta gestão como um ser de capacidades sobre-humanas: misto de super-herói com uma enciclopédia de gestão, execução e estratégia perfeitas. Uma visão deturpada que torna o líder uma pessoa inatingível, e que poucos têm coragem de acessar. 

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    Só que não é bem assim, né? Aliás, nem um pouco. 

    “Solidão não é algo que frequentemente associamos a líderes. Na verdade, muitos de nós podemos presumir que gestores, com seu poder e influência, nunca estão verdadeiramente sozinhos”, apontou em um artigo no LinkedIn o dr. Krishna Athal, CEO da National Aviation Academy e que estabelece, em seu trabalho de gestão de pessoas, padrões para a realização de mentorias. “Embora um líder possa estar cercado por equipes e colegas, ele ainda pode se sentir desconectado dos outros. Essa solidão é atribuída a vários fatores, incluindo a necessidade de manter uma persona profissional, ter que tomar decisões difíceis sozinho ou simplesmente ser mantido em padrões mais altos do que os outros.”

    Em muitos casos, portanto, isso é viver uma mentira. Por melhor que seja o CEO, estamos falando de um cérebro falível, que comete seus erros de julgamento, tem dias em que nada dá certo, que fica triste, ansioso… E que frequentemente se isola de modo que ninguém descubra sua identidade secreta por trás dos óculos de Clark Kent. 

    Foto de um homem de barba sorrindo vestindo camiseta azul, sentado a mesa.
    Felipe Urbano, palestrante e mentor de líderes. “O gestor nessa interação [com o Conselho] não pode revelar aquilo que está doendo. Isso enquanto, internamente, precisa saber reconhecer um fracasso.” (Celso Doni/VOCÊ RH)

    A solidão no fim de um ciclo

    Cesario Nakamura, que deixou a Alelo Brasil em maio deste ano, após quase seis anos como CEO da empresa de benefícios e soluções empresariais, conseguiu se despir da capa de super-herói num momento-chave de sua trajetória profissional, mas não sem antes experimentar a ansiedade de uma solidão imensa. 

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    Quando tinha 30 anos, metade da idade atual, estabeleceu para si mesmo a meta de deixar as funções executivas quando chegasse aos 60 anos. Mas, sensato, não ficou alardeando essa intenção por aí. Vindo de uma experiência prévia de líder no Bradesco, onde ficou até 2018, não seria uma boa carta de apresentação na Alelo dizer que, em seis anos (já tinha mais de 50, então), se ele não mudasse de ideia, a organização teria de procurar um novo CEO. 

    “Por mais que você tenha colegas confiáveis na empresa, a decisão de parar é muito solitária. Não dá para pedir opinião para alguém sobre uma comunicação que é de foro íntimo, muito individual e que tem a ver com um projeto de vida”, afirma. 

    Chegando perto do “prazo de validade”, Cesario foi acometido por sensações de ansiedade e dúvidas. “Você acaba pegando um carinho pelas pessoas, pelos negócios… e aí parar de vez vai se tornando um passo difícil.” No entanto, a firmeza de sua decisão tinha um bom embasamento: a certeza do dever cumprido para que a Alelo se tornasse uma empresa melhor por sua passagem.

    “Teve crescimento de negócios, teve diversificação… Nossa operação com a Veloe, de passagem direta em pedágios, antes era quase uma startup. Hoje é vice-líder do negócio, atrás apenas do Sem Parar. Também contribuí para acelerar a transformação digital na empresa e fortalecer a questão de diversidade e inclusão. Sair deixando a Alelo numa situação muito melhor do que quando entrei ajudou a reduzir a aflição.”

    Ainda assim, sentindo-se solitário nessa decisão, o executivo decidiu procurar um coach. Não para ajudá-lo a reafirmar o que iria fazer (isso estava certo), mas a forma como isso seria feito: “Tive conversas para discutir como comunicar a demissão da melhor forma ao Conselho de Administração, como ir embora pela porta da frente [Cesario permaneceu por seis meses após anunciar sua saída, para que a empresa tivesse tempo de buscar um novo CEO], não deixar meus colaboradores na mão… Essas sessões foram muito importantes para que a sensação de isolamento nessa minha transição fosse atenuada”.

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    Para mulheres, é mais complexo

    Foto de uma mulher sorrindo vestindo roupa preta, usando um notebook numa sala decorada com plantas.
    Ana Paula de Almeida Santos, executiva das áreas jurídica e de compliance: “É uma pressão muito grande porque, nesse isolamento, a conclusão a que você chegar vai afetar a vida de um funcionário, talvez arruinar a carreira dele”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

    Advogada com mais de 20 anos de experiência em departamentos jurídicos e de compliance, Ana Paula de Almeida Santos já vivenciou, muitas vezes, a realidade de outras mulheres em áreas em que os homens são maioria: um olhar de desconfiança sobre suas decisões. Ainda mais num setor em que a profissional aponta o dedo para erros de conduta na própria empresa.

    “Quando você está nessa área de compliance, começa a receber denúncias de comportamentos e práticas inadequados. E aí vem a solidão diante das providências que você precisa tomar. Porque, por muito tempo, até você ter a situação esclarecida, não pode abrir o caso para ninguém, nem para o seu chefe. É uma pressão muito grande porque, nesse isolamento, a conclusão a que você chegar vai afetar a vida de um funcionário, talvez arruinar a carreira dele”, afirma. 

    Sua trajetória passou muito pelo mercado de seguros, majoritariamente masculino em suas posições de alta gestão, e ela se sentia sozinha como mulher com o poder de deter situações graves… geralmente com um homem por trás disso. “Eu era a palmatória do mundo, e isso geralmente incomoda.”

    Tendo feito parte de uma primeira geração de mulheres que sobem em cargos jurídicos nas organizações, e vendo as dificuldades das que vieram depois dela, Ana Paula percebeu que o caminho era formar um networking de mulheres em situações parecidas. Assim passou a aliviar o sentimento de solidão das executivas entrantes – e a dela própria. Foi tão afetada por essa questão que escreveu um artigo no LinkedIn: “Liderança Feminina e a Síndrome de Rapunzel”, fazendo referência à heroína dos contos de fadas que vive sozinha no alto de uma torre. 

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    Para mulheres negras, é pior ainda

    Foto de uma mulher sorrindo vestindo roupa branca e com uma cortina azul royal ao fundo.
    Priscila Salgado, da 99jobs: “Quando a gente fala da solidão [de mulheres negras], não é só na questão dos relacionamentos, mas na de estar nesse lugar de liderança ouvindo piadinhas, sendo questionada de uma forma que nossos pares não são”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

    “Como pensar em rede de apoio quando seus pares, superiores e subordinados são quase todos brancos lá no topo? E muitos contaminados por um racismo estrutural que permeia o comportamento do brasileiro.” Esse questionamento é de uma rara gestora negra entre as grandes empresas do país, Priscila Salgado, líder de Diversidade & Inclusão na plataforma de busca de empregos 99jobs.

    “Um líder homem, branco, com mais de 40 anos, dificilmente precisa de algumas aprovações em planilhas, em projetos, em decisões. Uma mulher negra tem de passar por várias etapas, conquistar muito ‘sim’ para o mesmo processo. Então, quando a gente fala da solidão, não é só na questão dos relacionamentos, mas na de estar nesse lugar de liderança ouvindo piadinhas, sendo questionada de uma forma que nossos pares não são… Vivendo ausências que um líder não deveria ter.”

    Executiva de gestão de pessoas que atua com ativismo para que outros profissionais da mesma cor de pele não experimentem isolamentos tão profundos, ela já liderou os programas de trainee do Magalu para pessoas negras, além de outros programas de ação afirmativa, colocando mais de 800 indivíduos pretos em funções de desenvolvimento de liderança. “Somente em 2023, treinei mais de 1.800 líderes em empresas com faturamento superior a R$ 1 bilhão.” Sua influência tem sido tamanha que, tanto em 2023 como em 2024, palestrou na ONU como embaixadora do Movimento Raça é Prioridade, do Pacto Global da ONU Brasil.

    E será que vale a pena?

    Foto de um homem sorrindo, vestindo camisa azul marinho, usando um notebook numa sala decorada com quadros.
    Philippe de Grivel, ex-CEO da Subway: “[A liderança] é uma posição que exige muita energia, clareza mental sobre o que você almeja e ter de abandonar o ego, o que ajuda muito a pedir ajuda e sair desse lugar de isolamento”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

    Para o francês Philippe de Grivel, que foi CEO da Subway por seis anos, até entrar em um período sabático no ano passado, mantendo uma atividade de mentoria para gestores, o profissional deve se questionar se tem perfil para a liderança antes de entrar nesse caminho muitas vezes solitário. “É uma posição que exige muita energia, clareza mental sobre o que você almeja e ter de abandonar o ego, o que ajuda muito a pedir ajuda e sair desse lugar de isolamento”, afirma. “Será que o indivíduo tem mesmo essa série de mecanismos para manter sua sanidade psicológica e até a saúde física, que um burnout pode colocar em risco?” 

    Para os que estão seguros dessa jornada, é positivo saber que há contrapontos felizes ao sentimento de solidão. Lembra-se do Stênio, lá do começo deste texto? Em seus questionamentos sobre se valia a pena manter uma vida de líder de empresa, diante de tantas decisões esmagadoras, ele chegou à conclusão que sim. “Logo pensei ‘e o bem que eu fiz para tanta gente?’, ‘o quanto eu gero de emprego?’, ‘o quanto eu gero de desenvolvimento?’… Até numa situação de demissão, talvez eu não esteja arruinando a vida da pessoa. Um dia eu estava no mercado com a minha filha e um ex-funcionário, um cara fortão, me reconheceu e veio falar comigo. Logo coloquei a menina às minhas costas para protegê-la. Mas o que ele disse me surpreendeu e fez o meu dia. Ele falou: ‘Você é o Stênio, né? Você me demitiu’. Então perguntei: ‘Eu fui respeitoso ao fazer isso?’. E aí o homem abriu um sorriso: ‘Cara, você mudou a minha vida… para melhor. Eu era extremamente infeliz no que eu fazia. Você soube identificar isso, eu fui buscar o meu caminho e hoje sou um profissional completamente realizado’.” 

    Nessa hora, Stênio Alvarenga trouxe sua filha para a frente do seu corpo, para que ela ouvisse essa bonita história de reinvenção que sua posição de líder, por mais solitária que seja às vezes, conseguiu criar.

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    Esta é a matéria de capa da edição 94 (outubro/novembro) da Você RH. Clique aqui para conferir outros conteúdos da revista impressa.

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