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O RH em 2024 – e além

Empresas brasileiras na caça por talentos de fora, novas profissões ligadas à IA... Conheça tendências em gestão de pessoas para um futuro que já começou.

Por Fernanda Simoneto, Valentina Bressan e Juan Ortiz
1 dez 2023, 14h26
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  • “Feliz ano novo, adeus ano velho.” Mas, em se tratando da área de recursos humanos, muito do que esteve no “ano velho” não vai se despedir a partir de 1º de janeiro: continuará, mais forte, no novo ciclo. Cuidado com a saúde mental, equipes globais, implementação de ferramentas de inteligência artificial, demandas por mais diversidade…

    As mudanças nas dinâmicas do mercado de trabalho, que já davam mostras em 2023, vão se consolidar em 2024. E isso implicará novas formas de atuação e mentalidade das equipes de RH – de outra forma, elas terão dificuldades para segurar os melhores talentos em um contexto de alta rotatividade laboral. É o que apontam as consultorias que atuam nesse setor e os especialistas no futuro da gestão de pessoas.

    Uma análise de tendências da consultoria McKinsey, publicada em outubro, mostra que um terço dos funcionários brasileiros planeja deixar suas organizações nos próximos seis meses. Só ainda não contaram para seus líderes, que acreditam em uma rotatividade de apenas um quinto dos empregados em um ano.

    “As pessoas querem encontrar um propósito melhor em seu trabalho. [Esse comportamento] também tem relação com o tipo de liderança, com a maneira com que os gestores inspiram seus funcionários”, diz Fernanda Mayol, sócia da McKinsey.

    Já Isis Borge, sócia da consultoria de recrutamento Talenses, aponta que o papel do RH em 2024 será apoiar as rápidas transformações tecnológicas das empresas, mas ao mesmo tempo fortalecendo a parte humana da equação. “O profissional de RH deve ser o termômetro que consegue falar para o executivo ‘vem cá, seu time é o que tem mais afastamento por burnout na empresa. O que você pode fazer diferente?’”, sugere Borge.

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    Fernanda Mayol, da McKinsey: “As pessoas querem encontrar um propósito melhor em seu trabalho. [Esse comportamento] também tem relação com o tipo de liderança, com a maneira com que os gestores inspiram seus funcionários”. (Divulgação/VOCÊ RH)
    Alexandre Ullman, diretor de recursos humanos do LinkedIn, reitera a importância do acolhimento. “A retenção passará por investir no bem-estar do profissional”, afirma. Ullman lembra que o próprio LinkedIn adota políticas flexíveis com seus funcionários, como a possibilidade de conciliar horários e um regime de trabalho híbrido em seu escritório em São Paulo.

    Nesta reportagem, mapeamos cinco tendências que serão desafios para os profissionais da área em 2024 – e além.

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    O avanço da inteligência artificial

    Já imaginou um robô capaz de responder todas as dúvidas sobre pagamentos e férias e que ainda resolva tarefas maçantes, que geralmente caem no colo do RH? E se, além disso, ele puder realizar análises internas para traçar os melhores caminhos para sua empresa?

    Isso já é realidade. “No RH, você pode colocar uma IA com chatbot para coleta de feedbacks, por exemplo. Pode automatizar tarefas repetitivas para o onboarding, fazendo validação de dados sensíveis, cruzando informações com a Receita Federal. Essas são as aplicações mais buscadas pelas empresas em um primeiro momento, e que devem se intensificar”, resume o empresário Paulo Moraes, cofundador da consultoria Talenses.

    De qualquer forma, o domínio dessas ferramentas vem aparecendo cada vez mais como um diferencial em postos de trabalho. E já está criando profissões novas, às quais o RH deve estar atento. É o caso do engenheiro de prompt: um especialista no uso de plataformas de IA generativa, que consegue o melhor resultado a partir de comandos de texto. E há outras atividades brotando nessa seara: especialista em cibersegurança de IA, gerentes de transformação digital (responsáveis por uma transição bem-sucedida para negócios orientados por inteligência artificial) e analistas de dados avançados (que identificam padrões ocultos, interpretando resultados complexos e tomando decisões estratégicas com base em suas conclusões).

    Segundo dados do LinkedIn em 2023, as vagas que mencionam IA mais do que triplicaram no Brasil nos últimos dois anos, fenômeno que acompanha uma tendência global. A pesquisa também indica que 80% dos profissionais de RH veem a IA como uma aliada nos próximos cinco anos, assumindo as tarefas mais automáticas e permitindo que as pessoas se concentrem nos aspectos mais estratégicos e humanos das suas funções.

    Outra tendência ligada à tecnologia que deve ganhar força é a implementação de técnicas de análise de dados voltados para RH. Conforme a última pesquisa da McKinsey, o uso de people analytics – métodos de gestão de pessoas que depende da coleta e análise de dados sobre os funcionários – pode aumentar a eficiência dos processos de recrutamento em 80%, incrementar a produtividade do negócio em 25% e reduzir o turnover em 50%. “Essas ferramentas ajudam a descobrir os talentos nos quais é preciso investir”, explica Moraes.

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    Com o uso maior da IA, de qualquer forma, vem também um alerta: esses sistemas estão sujeitos a erros, que já preocupam gestores. Afinal, quando se trata dos dados de funcionários, um equívoco pode criar grandes transtornos. Exemplo: num processo seletivo mediado por IA, uma análise errada da máquina pode significar a perda de um talento para a empresa. Daí a necessidade de buscar recursos para minimizar a ocorrência de falhas. Um caminho é treinar o modelo com uma ampla variedade de dados que representem diferentes perspectivas e contextos. Isso pode ajudar a melhorar a compreensão do sistema e sua capacidade de gerar respostas corretas em diversas situações.

    Outra é encorajar os recrutadores a fornecer feedback sobre as respostas do sistema. Esses depoimentos podem apontar a direção para ajustar o modelo e melhorar as futuras interações.

    A decadência do home office

    Após anos de trabalho remoto, a maioria das empresas voltou à rotina presencial – pelo menos parcialmente. O movimento começou com as gigantes do mercado financeiro americano, exigindo que seus funcionários voltassem aos escritórios dois ou três dias por semana. Alguns meses depois, o recado era que todos deveriam retomar o trabalho 100% presencial.

    E a tendência foi seguida por empresas de outros setores. Em agosto de 2022, a Apple convocou os funcionários de volta ao presencial pelo menos três vezes por semana – à época, houve protestos dos colaboradores, que desejavam permanecer em casa. Microsoft, Amazon e Disney foram na mesma toada, ainda que com as reclamações
    dos funcionários.

    “Os colaboradores entendem que o modelo funcionou durante esse período de pandemia, e que pode continuar funcionando, por isso não querem voltar”, afirma Rodrigo Accarini, client partner na consultoria Korn Ferry.

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    Em setembro de 2022, uma pesquisa realizada pela Microsoft Research indicou que 85% dos líderes globais afirmam não ter confiança sobre a produtividade de seus funcionários no sistema híbrido, embora 87% dos trabalhadores se sintam mais produtivos nesse modelo. No centro dessa batalha, há uma falta de confiança entre ambas as partes.

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    Tina Barcellos, da Klabin: “Tem algo que o trabalho híbrido não permite, que é aprender pelo olhar. Mas a maior parte dos funcionários não queria o retorno”. (Divulgação/VOCÊ RH)

    Mesmo que muitos não vejam a necessidade de encontrar os colegas diariamente, diferentes levantamentos mostram os benefícios do ambiente presencial. Em uma pesquisa realizada pela Society for Human Resources Management, dos EUA, 71% dos trabalhadores que voltaram ao escritório indicaram estar mais satisfeitos. O estudo foi feito com profissionais americanos que permaneceram na mesma organização desde o início da pandemia e foram transferidos para o trabalho remoto em algum momento durante a crise do coronavírus.

    No Brasil, mais de 90% das empresas estão operando com modelos híbridos, segundo a McKinsey. A gigante Klabin, exportadora de papel e celulose, foi uma das que decidiram retornar de vez aos escritórios. Cerca de mil funcionários de cargos administrativos voltaram ao ambiente corporativo a partir de setembro após um ano em regime semipresencial.

    “A Klabin é uma empresa de 124 anos com uma cultura muito forte. O primeiro motivo para o retorno foi fortalecer a nossa cultura”, afirma Tina Barcellos, diretora de Gente & Gestão na empresa. “Tem algo que o trabalho híbrido não permite, que é aprender pelo olhar”, complementa. Além disso, estava no mapa da Klabin ampliar as interações espontâneas e trocas entre os funcionários – na visão de Barcellos, isso foi duramente impactado pelo modelo remoto.

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    Mas a mudança não ocorreu sem resistência. “A maior parte dos funcionários não queria o retorno”, assume a executiva. Para tornar o processo menos desgastante, foi essencial comunicar a decisão com antecedência e clareza, além de contar com o apoio das lideranças dos times, que reforçaram a importância do contato presencial entre os funcionários.

    Cuidados com os danos mentais – produzidos pelo próprio trabalho

    Uma pesquisa de 2022 da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre as principais causas para transtornos mentais relacionados ao trabalho mostra o seguinte: 43% dos entrevistados afirmaram estar sobrecarregados, 30% sofriam com a pressão para que estivessem disponíveis o tempo todo, e 27% se ressentiam da falta de empatia e apoio de seus líderes diretos.

    Um dos motivos é o descompasso entre as expectativas dos empregadores e as capacidades dos funcionários. Segundo uma pesquisa de setembro de 2023 da Gartner, 58% dos líderes de RH estão confiantes de que suas empresas atingirão as metas de performance desejadas para 2024. Será? 45% dos funcionários afirmam que não conseguirão manter o nível atual de produtividade no próximo ano.

    A segurança psicológica também tem relação com a satisfação no ambiente corporativo. Para os líderes de RH, uma das tendências de gestão recomendadas pela Gartner é permitir que os funcionários se expressem livremente e mostrem sua identidade no ambiente laboral. Para isso, é necessário que o próprio líder seja genuíno e empático, mostrando preocupação e respeito pelo bem-estar dos trabalhadores, algo que precisa ter o acompanhamento do RH. “A segurança psicológica é o reflexo da cultura da empresa: a forma como as pessoas são tratadas, contratadas e até demitidas”, explica Mariana Uebel, fundadora e CEO da Grou, uma empresa de gestão comportamental e tecnologia.

    Para medir esse grau de satisfação interna, o iFood, por exemplo, criou em 2021 um Índice de Segurança Psicológica. A consultoria Ideafix o adaptou a partir de uma metodologia criada pela pesquisadora Amy Edmondson, professora da Harvard Business School. O questionário inclui perguntas sobre o quanto o funcionário se sente valorizado, como é a comunicação da empresa, se há acolhimento de sua identidade e qual é o papel das lideranças.

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    A empresa cruzou os resultados com os dados de diversidade, avaliando diferentes setores e grupos. O resultado foi positivo: em 2021, a taxa de segurança psicológica ficou em 8,5 e, em 2022, 8,7. Hoje, o indicador serve para fins de monitoramento da equipe. “Se você não sentir que está em um ambiente que te acolhe, a chance de passar por pressão psicológica, falhar ou ter momentos de dificuldade é muito maior”, explica Gustavo Vitti, vice-presidente de Pessoas e Soluções Sustentáveis do iFood.

    Brasil entra forte na caça global de talentos

    O inverso já existia há tempos: empresas de fora levando nossa mão de obra mais especializada. Mas o Brasil também é um competidor nesse ringue global, e a tendência é que a contratação de estrangeiros aumente por aqui.

    Em 2019, uma empresa de gestão de RH e pagamentos surgiu como uma aposta em um novo tipo de negócio. A plataforma Deel, com sede na Califórnia e presença no Brasil, recruta pessoas em 120 países para seus clientes e cuida das burocracias contratuais, como legislação trabalhista, impostos e tipo de contrato (CLT ou PJ). Ela também é um exemplo desse modelo: “Contratamos nossos funcionários com base no fuso horário, para facilitar a comunicação”, afirma Cristiano Soares, country manager da empresa no Brasil.

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    Cristiano Soares, da Deel: “Há uma escassez de talentos, principalmente na parte de tecnologia. Se eu preciso de um especialista, engenheiro ou desenvolvedor que não encontro aqui, começo a buscar essa pessoa no exterior”. (Divulgação/VOCÊ RH)

    Embora o apelo pelo trabalho presencial tenha recuperado o fôlego, o nicho onde a Deel atua continua aquecido: a contratação de profissionais de qualquer parte do mundo para vagas locais. A tendência não é nova, mas pode se intensificar. “Há uma escassez de talentos em diversas áreas, principalmente na parte de tecnologia. Se eu preciso de um especialista, engenheiro ou desenvolvedor que não encontro aqui, começo a buscar essa pessoa fora”, diz Soares.

    Uma pesquisa realizada pela consultoria ManpowerGroup mostrou que 80% dos empregadores brasileiros alegam ter dificuldade para contratar os profissionais que precisam. Por causa disso, 46% deles indicaram que devem recrutar funcionários estrangeiros nos próximos anos, enquanto 57% afirmaram que oferecer mais flexibilidade pode ajudar na hora de achar os candidatos ideais.

    Esse fator tem a ver com um problema estrutural do país: o baixo nível de educação. As faculdades não formam profissionais de TI numa velocidade que acompanhe a demanda do mercado.

    Outra frente para reter gente qualificada é dar benefícios de curto e longo prazo, como indica uma pesquisa da consultoria Korn Ferry feita em julho de 2023. Entre as estratégias, vale distribuir bônus de pagamento a cada três ou seis meses, garantir progressões de carreira de forma transparente e custear formações e estudos complementares.

    Como já identificado por gestores, o retorno ao trabalho presencial sem flexibilidade pode dificultar a contratação de talentos internacionais. “Tem pessoas que já se posicionaram sobre não querer trabalhar em uma empresa que esteja 100% presencial. São profissionais que a gente não consegue atrair”, afirma Carla Fernandes, gerente de talentos na CPFL Energia. Isso dificultou a “importação”, mas, como vimos, não matou
    a tendência.

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    Carla Fernandes, da CPFL Energia: “Tem pessoas que já se posicionaram sobre não querer trabalhar em uma empresa que esteja 100% presencial. São profissionais que a gente não consegue atrair”. (Divulgação/VOCÊ RH)

    IA a serviço da diversidade

    O investimento na promoção de diversidade para as vagas ganhou tração nos últimos anos, mas ainda enfrenta dificuldades para se firmar nas empresas. Muito mais que palestras e treinamentos, as organizações precisam de estratégias para que as políticas de inclusão não virem só uma peça de marketing. Na opinião dos funcionários, isso faz toda a diferença para a motivação das equipes. Um levantamento da CNBC/SurveyMonkey de 2021 indicou que 78% dos funcionários consideram importante trabalhar em uma organização que prioriza a diversidade. Mas esse compromisso, claro, precisa ser real.

    O problema, para o RH, está em garantir a permanência desses funcionários. Um relatório deste ano da Revelio Labs mostrou que a onda de demissões em massa nas grandes empresas de tecnologia nos Estados Unidos afetou desproporcionalmente alguns grupos: mulheres e pessoas latino-americanas, principalmente. Para além das demissões, há a sensação de que falta mais valorização desses funcionários e planos de progressão de carreira.

    O iFood descobriu uma forma de melhorar isso. Usando ferramentas de inteligência artificial e análise de dados sobre a performance da empresa, os executivos descobriram que homens brancos tinham 11% mais chance de serem considerados funcionários de alta performance do que mulheres negras. Isso ajudou a respaldar as reclamações de funcionários sobre o viés dos processos internos de promoção – e agora permite à empresa analisar melhor cada caso.

    A tecnologia também ajudou a comprovar outra queixa: a desigualdade salarial. A análise mostrou que cerca de 100 funcionárias ganhavam menos que homens com a mesma experiência e resultados.

    De acordo com a psicóloga Mariana Uebel, da Grou, é preciso ampliar a diversidade nas empresas para além das vagas afirmativas e da criação de setores específicos para o assunto.

    É necessário que toda a cultura esteja alinhada à pauta de diversidade. “O assunto nunca deveria ter estado de fora da pauta”, diz Uebel. “Mas, para que o tema não fique restrito a um setor, ele precisa amadurecer em 2024.”

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